
No 1º. de janeiro, de lei, eu saía com meus primos e primas para pedir ano-bom*. Depois de dormirmos excitadíssimos por termos ficado acordados após a meia-noite para ver os fogos do Tião Biazzo (ele era sempre o prefeito!) sobre o muro dos fundos da minha vó, fazendo planos de nossos réveillons futuros e espumantes, a gente acordava ainda mais animado para essa nossa versão do doces e travessuras.
A gente saía pelas casas, batia, gritava, afundava o dedo nas campainhas, tudo isso em plena oito horas da manhã do primeiro dia do ano. Mais que pelas balas e as moedas — que àquela época faziam um milagre na compra de besteiras no mercadinho da esquina —, a gente ia pelo desafio de passar em algumas casas.
Pequenos, olhávamos algumas construções enormes com receio e mistério. Com o tempo, todo mundo sabia quem dava o ano-bom e quem não dava, mas ficava sempre a expectativa sobre o Sobrado de Madeira.
Não muito longe da casa da minha vó, parecia o grande objetivo nosso um dia conseguir um ano-bom de alguém do Sobrado. Valeria mais. “Olha, ele é que nem as casas dos filmes!” a gente admirava.
O interfone afundado no muro alto coberto por trepadeiras bem cuidadas era nossa arma. “Quem vai apertar dessa vez?” “Eu não. Vai você.” “E se alguém responder?” No fim, alguém apertava e a gente tremia de expectativa.
Apertava de novo. E de novo. E mais uma vez. A esperança acabando.
Um chiado no fone anunciava que alguém, finalmente, tinha atendido nossas súplicas matinais. “Suas crianças filhas da...” alguém começava a gritar com voz grogue, mas a gente já tinha corrido longe antes de ouvir o resto.
No fim, talvez nem fosse pelo ano-bom que fazíamos isso no Sobrado de Madeira, era mais aquela persistência infantil e um certo sadismo de já começar o ano fazendo maldades. Sem nunca desistir.
Hoje, depois de dormir resignadíssimo após 2016 e irritado com o que os fogos estavam fazendo para os bichos, acordei — de um sonho bizarro em que estava perdido pela cidade e pessoas em outdoors me davam dicas sobre alergia — com crianças batendo ao portão. Nem abri os olhos e já comecei um “suas crianças filhas da...”. Mas parei, e enquanto ouvia alguém sair para elas, pensei nessa lembrança.
Que 2017 comece com essa persistência infantil. Sem resignação no ano-bom e no Sobrado de Madeira de cada dia.
—*Não sei se é o mais comum, mas muitas pessoas falam "bom princípio de ano-novo", mas, aqui na minha região, a gente resume para um mais direto "ano-bom" mesmo.
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