A primeira lembrança que tenho de escrever um texto com um objetivo especĂfico vem carregada com a centralidade de um tema: o debate sobre o pĂşblico e o privado. Era o final do Ensino MĂ©dio, Ă©poca de explorar o gĂŞnero argumentativo-dissertativo, e via-se premente, naquele inĂcio dos anos 2010, o debate sobre a vida on-line e atĂ© onde devia ir a exposição dos assuntos particulares na rede mundial de computadores.
Quinze anos e incontáveis revoluções tecnolĂłgicas e sociais depois, parece difĂcil observar a vida digital como apartada da vida privada das pessoas. O imperativo das redes sociais tornou impossĂvel atĂ© mesmo seguir algumas carreiras e prestar certos serviços sem fazer uso das diferentes plataformas. E, no mundo da identidade, da influĂŞncia e do storytelling, a vida particular nĂŁo pode ficar de fora — mesmo quando se fala de trabalho. A jornada de vida do profissional Ă© fator de conexĂŁo de marca, que, por sua vez, gera conversĂŁo de vendas. EntĂŁo, expõe-se cada vez mais, para se adequar ao novo mercado de atenções.
No cálculo dos dias atuais, o privado está em busca de um pĂşblico, rompendo qualquer lĂłgica que vise reservar certos assuntos, acontecimentos e decisões para o foro da intimidade, do particular e do reservado. Por isso, uma decisĂŁo como a que me moveu a escrever este texto parece insondável na era dos cliques, dos links e do vale-tudo por engajamento — por um espaço de evidĂŞncia para chamar de seu.
Nesse jogo de máscaras sociais e demandas externas, fica mais evidente toda uma economia da atenção, na qual a visĂŁo do outro, suas demandas e impressões vai se sobrepondo a um eu refĂ©m das expectativas externas e desconectado de sua verdade. Nisso, um exercĂcio de introspecção Ă© necessário para reconectar-se a si mesmo e Ă prĂłpria subjetividade. Talvez, por passar atualmente por um momento de certezas desestabilizadas, rotas recalculadas ainda sem um destino certo, o pĂşblico precise ficar um tempo ao lado, para que eu possa abraçar, no privado, aquilo que Ă© mais importante.
Assim, junto Ă minha despedida dos perfis das redes sociais, me despeço — quem sabe na forma de um atĂ© breve — da profunda experiĂŞncia em aprendizado que foi escrever e estar nesta coluna do O Imparcial. Agradeço ao Ernani Selber de Freitas, editor, e ao Luis Simon, o Menon, companheiro querido, pelo espaço.
Deixo, de Milton Nascimento, um fragmento que diz muito sobre este meu momento e sobre como, mais que a vida pĂşblica, os debates dos temas da cidade, do Brasil e do mundo, meu melhor exercĂcio Ă© centrar-me no quente seio da vida privada, para aplacar seus anseios. Eu vou, com os seguintes versos de Luiz Carlos Sá e SĂ©rgio MagrĂŁo, cantados por Bituca, nos ouvidos:
“Nada a temer, senĂŁo o correr da luta /
Nada a fazer, senĂŁo esquecer o medo /
Abrir o peito à força, numa procura /
Fugir Ă s armadilhas da mata escura
Longe se vai sonhando demais /
Mas onde se chega assim? /
Vou descobrir o que me faz sentir /
Eu, caçador de mim.”
0 Comentários