
As polêmicas nunca afetaram muito a minha vida. É bastante impossível se livrar de toda e qualquer polemicazinha que vai se entremeando nas coisas do dia a dia, mas nunca dediquei muito tempo às polêmicas da vida macro. Assuntos tabu ou de difícil consenso ficavam para as aulas de redação ou qualquer outra situação na qual não dava mesmo para evitá-los. No resto, era apaziguar os ânimos, ficar na minha e não expressar opiniões — se expressasse, só de forma que fosse um meio termo pouco radical, sem demonstrar opinião de verdade.
Mas 2013 aconteceu, 2014 aconteceu, 2015, 2016, o impeachment com requintes de golpe aconteceu, Campinas, Manaus — uma miríade de acontecimentos chocantes, polêmicos, e impossíveis de simplesmente superar — aconteceram. Manter a posição confortável para fugir de opiniões polêmicas deixou de ser realmente confortável.
Quando se constrói certo conhecimento a respeito de um assunto se tem cada vez mais dificuldade de olhar o objeto dele da mesma forma. Se se estuda cinema, os filmes vão ficando mais chatos, cheios de furos. Se se estuda a sociedade, mesmo que da forma mais superficial possível, não se consegue mais ver os acontecimentos da mesma forma. Os abusos ficam latentes, os preconceitos saltam aos olhos e o ódio não consegue se desvincular das mortes que causa.
A militância, no sentido que eu entendo de lutar no dia a dia por uma causa, vira a única saída quando se quer fugir da resignação. Do lugar de impotência que nos é relegado e do qual não devemos sair, porque vai passar, porque para que se importar com isso se não adianta nada?
A cada dia, a cada crime de ódio, a cada descontrole do sistema que parece só feito para se equilibrar em si e não trazer melhorias, eu me sinto pior. Mais somatizam os medos por não saber o caminho para mudar tudo; mais parece difícil conseguir convencer as pessoas a olharem além dos próprios preconceitos destrutivos. Fazer com que enxerguem a humanidade além de qualquer rótulo ou papel historicamente atribuído e para muitos rigorosamente necessário de ser cumprido, parece complicado demais.
Não tem como fugir da polêmica e se manter em paz enquanto pessoas sofrem, morrem e você só quer se manter longe dos problemas. É encontrar uma forma de ação por mais precária e tentar; inovar e, falhando, transformar a apatia em empatia e alteridade.
Às vezes é bem difícil pensar que algo no futuro vai ser melhor. Principalmente quando a primeira pessoa com quem fala no dia — um menino que bate à sua porta para falar de sua fé acompanhado de senhoras bondosas — fala para você de uma justiça divina de ódio. De que os escritores da palavra que pregava foram inspirados pela sua divindade, tal qual o chefe dita o e-mail para a secretária — mulher — mesmo o lógico na relação possibilitar o gênero contrário. Aceitação dos desígnios, falou ele.
O papéis são enraizados, o ódio é ligado a uma justiça punitiva que não constrói, apenas desampara e alimenta monstros que estão do lado de cada uma e cada um de nós. Prestes a perder a razão, a tomar-se no direito de decidir quem vive e quem morre, muitas vezes com ou a despeito do respaldo de seu deus. Mas pretensamente professando suas palavras.
É difícil haver espaço para aceitação assim.
Não dá para evitar mais as polêmicas. Ao contrário do que antes parecia, elas não são algo externo, elas constroem cada uma e cada um de nós. Só resta enfrentar o ônus de tomar posições frente a elas, senão assistir à destruição se multiplicar.
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