
ㅤㅤA professora mal havia concluído as burocracias de final de ano letivo, quinto conceito, relatórios e todas aquelas coisas que parecem não ter fim quando sentou-se, finalmente, para focar naquele ritual que, nos últimos anos, tem marcado o seus períodos de festas. Depois de recorrer ao Ministério Público, ao sindicato e a todas as instâncias possíveis para concretizar esse pedido, só restava só mais uma forma a apelar.
ㅤㅤ“Querido Papai Noel“, começou ela, enquanto segurava a caneta com uma ironia quase triste. Afinal, se tanta gente acredita em velhinho barrigudo, por que ela também não poderia encontrar um em quem confiar? Não custava tentar.
ㅤㅤ“Eu sei que o senhor recebe tantas cartinhas de crianças que confiam na sua capacidade de realizar sonhos, até os mais impossíveis. Pois bem, venho aqui, depois de um ano letivo cheio de trabalho, relatórios, cobranças da coordenação, indiretas de que “o trabalho precisa continuar” dadas pela gestão, pedir aquilo que ninguém parece conseguir me entregar. Não é um brinquedo, não é um mero luxo — é um direito.
ㅤㅤ“Querido Noel, traga para mim, neste Natal, o pagamento do piso do magistério. Parece uma bobagem, mas veja como faz diferença: não só na conta bancária, mas no reconhecimento. O professor, quando tem o que a lei garante, se torna muito mais motivado, mais focado no seu trabalho e menos envolto em cobranças, lutas e reivindicações. O resultado? A educação melhora, porque a base — o professor — está bem. A luta é importante, mas o reconhecimento vindo em comum acordo, é ainda mais.
ㅤㅤ“Eu sei que existem tantos problemas, tantos pedidos, alguns até mais fáceis de atender. Mas, se o senhor puder trazer este presente, não serei só eu a professora mais feliz, mas toda uma classe desta cidade também estará. Seria o melhor presente de Natal: uma vitória que é direito. Confiante no seu papel de bom velhinho, subscreve esta professora.”
ㅤㅤAo concluir o texto, a professora dobrou o papel, colocou-o em um envelope e ficou olhando para ele por alguns instantes. Parece uma brincadeira de mau gosto, pensou. Afinal, não deveria ser visto como um desejo impossível aquilo que é o mínimo. No entanto, tantos argumentos inimagináveis são usados para negar esses direitos, para justificar o injustificável, que apelar à benevolência mágica do Natal parecia a ela ser a única e última alternativa. Só lhe resta mais essa espera e torcer para que o velhinho seja realmente bom e traga, enfim, este presente.
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