O plano imperfeito

ㅤㅤEra para ter sido simples. Algumas reuniões nada discretas, umas mensagens aqui, uns acenos ali, umas impressões no palácio acolá. Nada “explícito”, claro. Apenas uma movimentação calculada, uma soma de vontades, um empurrão no momento certo. Tudo arquitetado com a inteligência de quem acredita que já viu de tudo, que conhece os caminhos, que domina as regras do jogo.
 ㅤㅤAgora, no entanto, o plano “perfeito” estava ali, desmontado em páginas numeradas, evidências organizadas, depoimentos alinhados. O que antes eram conversas trocadas em WhatsApp encriptados agora viravam matéria oficial, peça jurídica, acusação formal.
 ㅤㅤNa rua, o país seguia. O calor pesava sobre o asfalto, os trabalhadores se direcionavam para mais um dia, a rotina impaciente. Para muita gente, era só mais um dia. Mas para outros, não. Havia algo no ar, um silêncio tenso, uma espera contida. Era a sensação de que algo, enfim, tinha chegado ao seu tempo.
 ㅤㅤEle fechou os olhos. Tentou imaginar um desfecho diferente. Um fake a ser plantado, uma saída ainda possível. Mas não havia. Pela primeira vez, percebeu que não havia. O plano que parecia tão tosco, tão descarado, tinha uma falha óbvia: dependia demais da certeza de que todo mundo embarcaria. 
ㅤㅤMas não embarcou.
 ㅤㅤE agora o país assistia. Uns com surpresa, outros com o alívio de quem esperou tempo demais. As palavras se espalhavam em manchetes, debates, telas de celulares. E lá dentro, onde antes só havia a segurança arrogante de quem quis se manter no controle, agora havia outra coisa.
 ㅤㅤUma pausa.
 ㅤㅤUma denúncia que não deixa nenhuma incerteza.

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