
hoje aconteceu uma coisa que me confirmou mais ainda que a mídia simplifica as coisas não para facilitar, mas para criar o entendimento que deseja.
estava no ponto de ônibus, um senhor comentou como mais uma semana tinha voado. concordei porque, realmente, apesar de às vezes o tempo parecer não passar; quando vemos, voou.
nisso, então, ele começou a falar das bombas no “Egito”, como está acontecendo aquela “judiação” contra inocentes, mas que aquele povo, que vem explodir metrô na França etc., tinha que ser exterminado – os inocentes “do prédio que eles meteram avião anos atrás” e os demais do ocidente pareceram mais importantes. “pena que não dá pra jogar gasolina de um avião e botar fogo em tudo lá.” que o Trump tem mais que meter bomba mesmo!
afora a troca de “Síria” por “Egito”, que foi pessoal e individual, acredito que o posicionamento apresentado é criado a partir da forma pela qual a mídia comunica os fatos pelo seu jornalismo.
ela liga o tema “refugiados” seguidamente a notícias sobre atentandos, quase sempre. oriente médio e terrorismo é dupla inseparável.
e, como regra, quando se fala nas vítimas “inocentes” nesses países, elas são números uniformes, frutos desses vilões terroristas.
não tenho acompanhado a cobertura jornalística da TV aberta, mas duvido muito que ela tenha dedicado tempo a explicar a complicada situação síria. sobre os interesses ocidentais em relação à região, dividida geograficamente segundo os desígnios europeus; sobre como Bashar al-Assad é ruim, mas os outros lados não permitem prever coisas melhores – e que se está nisso porque nenhum país quis “pagar pra ver” o que aconteceria se determinado lado triunfasse.
na fala desse senhor, tudo se resume à sede de poder do ditador e ao fundamentalismo dos animais terroristas que nem deviam ter direito a viver. os EUA a salvação; os árabes, laicos ou jihadistas, o mal a ser combatido.
em grande parte, esse maniqueísmo usado para tornar a informação “didática”, acaba por exigir uma filiação dividida em abraçar um dos lados. o que se torna impossível, uma vez que não se tem apenas dois lados quando se fala em uma guerra gestada por inúmeras questões que atravessam séculos.
pode-se dizer que falta literacia da pessoa, que ela devia se prestar a entender ou averiguar melhor as notícias. mas eu sempre me pergunto se isso não é, na verdade, culpa da simplificação, do não convite ao debate e da falsa ideia que se pretende passar de que se está vendo “tudo o que é preciso saber” – o que vende principalmente o jornalismo televisivo.
ninguém precisa se posicionar quanto a um fato, principalmente se colocando sob a guarda de dois lados que, virtualmente, se opõe e se subtraem.
não de trata de time Rússia ou time EUA, mas sim da humanidade, da realidade, que exige mais que uma simples oposição.
vi num tweet, compartilhado por algumas pessoas que sigo, uma definição que representa esse teor, principalmente quanto ao que ocorreu na Síria: “É possível discordar sobre o que se fazer na Síria, ou mesmo não saber o que sentir [sobre o assunto]. Possível não é de acreditar que estamos em boas mãos.”
Mark Harris, o autor do tweet, destacava diretamente o fato de se estar sob a liderança de Donald Trump. no entanto, o que ele diz serve diretamente ao que pretendi dizer aqui: não estamos em boas mãos quando se trata de como as informações chegam até nós. a simplificação cria ódio em razão da não apresentação, de forma clara, do contextos dos acontecimentos.
as notícias geram posicionamentos e sentimentos. mas o que devia importar, na verdade, era o debate, não se firmar posicionamentos imutáveis; não se sentir no papel de decidir quem vive ou quem morre.
porque, ao se apresentar apenas essa possibilidade frente aos acontecimentos no mundo, estaremos apenas matando, pouco a pouco, o que há de humano em nós mesmos.
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